Negócios comunitários no seu chocotone em 2022

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Para alavancar a economia pós-pandemia, precisamos olhar para a produção de alimentos e a sociobiodiversidade

Eu não sei você, mas eu estou com dificuldades em acreditar em previsões – e eu não farei aqui considerações sobre a pandemia, porque você deve estar cansada(o) de saber, ouvir e ler sobre esse assunto. Independentemente do que aconteceu ou o que acontecerá, toda(o)s nós precisaremos continuar nos alimentando.

Existe um dado contestado por alguns, mas muito replicado, que diz que cerca de 70% do que chega na mesa da(o)s brasileira(o)s vem da agricultura familiar. Esse dado pode até ser questionado, mas a probabilidade de você comer uma alface produzida pela agricultura familiar é de 60%. De morango, 80%. É o que diz o IBGE.

Além disso, se você é da geração açaí (e não importa a sua idade), você está consumindo um produto da sociobiodiversidade, que tem por trás o extrativismo, assim como a castanha-do-brasil. Ou seja, famílias que vivem no meio rural ou na floresta, e muitas organizadas em associações ou cooperativas, estão trabalhando para você saborear seu açaí geladinho ou o seu mix de castanha retirado daquela máquina no corredor do escritório.

E se você consome produtos de marcas brasileiras que prestigiam matéria-prima nacional, e vai presentear alguém com chocotone neste natal, você está presenteando a sociobiodiversidade porque as gotinhas de chocolate ali são de cacau da Amazônia ou da Mata Atlântica.*

Não sei se os negócios comunitários serão a “bola da vez” em 2022, mas deveriam. E não importa se estamos falando de extrativismo ou de agricultura familiar. O fato é que para alavancar a economia pós-pandemia, precisamos olhar para questões críticas em termos de produção de alimentos e para sociobiodiversidade.

Já sabemos que o Brasil não pode continuar incentivando modelos de produção que provocam desmatamento, além da necessidade de se preocupar com disponibilidade hídrica e adaptação às mudanças climáticas. Mas esse fio fica para depois.

Dessa forma, se nos questionarmos qual seria a solução que atende às demandas para manutenção da floresta em pé, considerando a economia de baixo carbono, e que garanta um olhar mais cuidadoso para cada elo das cadeias de valor da sociobioeconomia e da agricultura familiar, considerando verdadeiramente o desenvolvimento socioeconômico, temos poucas alternativas. Ou uma única: os ecossistemas de negócios comunitários.

Mas os modelos de financiamento atuais também carecem de atenção e precisam inovar para alcançar assertivamente os negócios comunitários (famílias, associações, cooperativas), principalmente em se tratando de sociobiodiversidade.

E o que é necessário para o desenvolvimento e alavancagem dos negócios comunitários? Investimento – e não qualquer investimento e muito menos nos modelos recorrentes no setor de bancos privados.

Alternativas em bancos públicos existem, como no Banco da Amazônia (BASA) e no Banco do Brasil (BB). O número de cooperativas que acessam os financiamentos rurais com recursos controlados, por exemplo, não é preciso e há uma questão que envolve o sigilo bancário que não nos permite fazer uma identificação exata de quais cooperativas acessam crédito rural. No entanto, sabemos que são muito poucas.

Mas, como exemplo crítico, atualmente, (considerando dados públicos disponíveis) apenas seis (6) cooperativas no bioma amazônico acessam o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Dessas, apenas duas (2) ligadas ao extrativismo e à agricultura familiar.

Então, se existe crédito, por que tão poucas cooperativas o acessam? Enquanto você pensa… 64 produtos ligados à floresta em pé, e comercializados por empresas da Amazônia brasileira, geram uma receita anual aproximada de US$ 300 milhões. Mas isso representa apenas 0,17% dos mercados globais correspondentes.

É verdade, ainda existem poucas iniciativas de apoio aos pequenos negócios comunitários, incluindo acesso a incubadoras de negócios ou programas de aceleração. E mesmo existindo algumas poucas plataformas de e-commerce para vender produtos em mercados mais distantes (e o mais distante aqui é o eixo Acre-SP, por exemplo), logística é outro gargalo. E, ainda, há poucas estratégias para divulgação de produtos.

Mas, antes disso, há um gargalo ainda mais complexo.

Vamos a um exemplo concreto. Se o crédito existe, precisamos criar possibilidades para assegurar a perenidade do modelo de utilização do crédito rural pela agricultura familiar e por associações/cooperativas extrativistas.

Na cultura do cacau no sul da Bahia, por exemplo, a partir da introdução do crédito rural, podemos ter como resultados: (1) adicionalidade no volume de cacau de qualidade; (2) adicionalidade na renda do produtor, (3) maior eficiência por hectares de cacau manejado. Assim, o impacto do crédito rural sobre a renda do produtor é significativo, e pode representar um incremento de até três (3) vezes a sua renda original (sem crédito).

E mais! Estamos falando da manutenção da floresta no sistema cabruca**, o que resulta em sequestro de carbono e regulação hídrica.

No entanto, a implantação em escala do sistema de ativação do crédito rural do PRONAF depende de arranjo diferenciado para assegurar assistência técnica ao longo do tempo – além de assegurar a modelagem de negócios e a perenidade da estratégia de desenvolvimento de produtos, bem como acesso a mercados diferenciados.

Usualmente, o crédito sempre acaba nos mesmos lugares, já que os bancos precisam avançar no entendimento sobre a realidade dos negócios comunitários. É aí que precisamos trabalhar, na interface!

Certamente, existem entraves que precisam ser sanados. Mas, se os negócios comunitários forem considerados a bola da vez em 2022, você que trabalha em entidade filantrópica e você que trabalha em entidade financeira, estarão dispostas(o)s a contribuir para alavancar o sistema produtivo de alimentos mais responsável e com maior impacto positivo socioambiental e que possibilite incremento de renda no primeiro elo dessas cadeias de valor?

E então, você consumidor(a), que tal contribuir para que o seu chocotone do ano que vem seja recheado de gotinhas de chocolate do cacau da Amazônia ou da Mata Atlântica – e de base comunitária? E ao invés de nozes e amêndoa norte-americana, que tal castanha-do-brasil e baru? E aquele entreposto que vende produtos da agricultura familiar, já encontrou um perto de você?

Boas festas! E que possamos trabalhar juntos/juntas, em 2022, para fomentar os negócios comunitários e manter a floresta em pé.

*(Se seu chocolate não for de empresa que compra as amêndoas de cacau brasileiro, seu chocolate tem cacau que vem, por exemplo, da Costa do Marfim, África).

**(Cabruca é um sistema no qual o plantio do cacau é feito sob a sombra de árvores nativas da Mata Atlântica).

Texto de autoria de Frineia Rezende, diretora de desenvolvimento institucional da Conexsus, originalmente publicado em Um só Planeta.