Opinião – Combater o desmatamento localmente

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A Conferência do Clima em Glasgow, realizada entre 31 de outubro e 12 de novembro de 2021, deixou como saldo desafiadoras metas climáticas apresentadas por alguns dos países participantes. Por detrás delas, residem ações de grande escala e impacto a serem implementadas para que os efeitos das mudanças climáticas possam de fato serem mitigados até a metade deste século – mantendo o aquecimento médio do planeta dentro do limite de 2 graus centígrados.

A proteção e conservação dos biomas, especialmente das florestas tropicais úmidas, desponta como uma das atividades críticas para o cumprimento das metas climáticas, especialmente para aqueles países com abundância de florestas. Não obstante, os últimos dados de monitoramento das principais áreas florestais do planeta têm apontado um cenário oposto àquele ambicionado na COP26. Em outubro de 2021, a Amazônia brasileira atingiu o maior nível dos últimos cinco anos, para o mês em questão, de perda de cobertura florestal. A segunda maior floresta tropical do mundo, localizada na bacia do rio Congo, perdeu, entre os anos 2001 e 2020, mais de 15 milhões de hectares, ou seja, 8% de sua cobertura original.

Se, por um lado, metas acordadas em esferas multilaterais são mecanismos essenciais para garantir possibilidade legal de cumprimento e responsabilização internacional dos estados, do outro, encontrar mecanismos locais de conservação das florestas nas próprias regiões que as abrigam se faz ação de primordial importância dentro da agenda climática global. Mais do que isso, propiciar a convivência humana com a floresta é um imperativo em um contexto de emergência climática e cada vez mais um resultado a ser almejado por políticas públicas e iniciativas conservacionistas.

Sobreviver das florestas não é tarefa simples, o que requer uma série de incentivos locais para que empreendimentos florestais sejam adequadamente remunerados – e financeiramente atrativos – para os seus envolvidos. Mineração, exploração madeireira e êxodo rural são algumas das diversas atividades que competem frontalmente com uma vida dedicada às atividades produtivas sustentáveis, como o manejo florestal, a coleta e processamento de sementes e frutas, e o ecoturismo. Neste sentido, o cumprimento das metas globais de proteção e preservação de florestas passa, cada vez mais, por estruturar programas e legislações que contribuam para incrementar as expectativas de retorno individual com uma vida na floresta.

Localmente, os desafios para o estímulo a atividades florestais sustentáveis são diversos, porém quase sempre as respostas se encontram na consolidação de ações coletivas que possam suportar a atividade no longo prazo. Em um recente artigo científico que publiquei, o qual sintetiza uma pesquisa de dois anos que realizei sobre as dinâmicas de uso da terra em uma das fronteiras do desmatamento na Amazônia brasileira, foi possível observar o crescente envolvimento de pequenos produtores rurais com atividades que envolvem o replantio e manejo de florestas. Uma variável crucial para a insurgência deste pequeno – mas importante – movimento no coração de uma das regiões com maiores índices de derrubada de florestas foi a gradativa disponibilização e difusão de tecnologias que permitiram a adoção de sistemas de produção animal e vegetal consorciados com a proteção e replantio de cobertura florestal. Sem tais tecnologias, florestas em recuperação coexistindo com a produção de gado de corte e café permaneceriam como imagens em contradições. Ações educativas de formação técnica lideradas por organizações da sociedade civil e a implementação de unidades demonstrativas contribuíram para fundamentar um conjunto de expectativas positivas entre os atores locais com a adoção destes sistemas sustentáveis de produção.

Na verdade, a redução de incertezas e consolidação de expectativas positivas são os fatores decisivos, em uma escala local, para a fundamentação de iniciativas e empreendimentos coletivos voltados às atividades florestais sustentáveis. Neste sentido, instituições sólidas importam mais do que nunca, uma vez que concedem estabilidade e previsibilidade futura, garantindo aos atores sociais um cenário minimamente seguro para a tomada de decisão.

Poucas são as instituições, atualmente, que contribuem para que as atividades florestais sustentáveis sejam uma decisão segura e atrativa a boa parte das comunidades e territórios nos países emergentes. Na Amazônia brasileira, por exemplo, analistas apontam que uma das principais causas para a retomada de índices alarmantes de desmatamento se deve ao gradativo enfraquecimento dos órgãos nacionais de controle e monitoramento sobre o uso do solo. Outro exemplo de ineficiência institucional no caso brasileiro é a política nacional de crédito rural, a qual ainda falha em contemplar atividades florestais sustentáveis na Amazônia: para os anos de 2019 e 2020, somente 3% dos desembolsos realizados por instituições financeiras foi direcionado ao financiamento de atividades de produção sustentável.

Em uma esfera institucional local, cooperativas de pequenos produtores constituem instituições fundamentais para a integração de comunidades junto aos mercados, consolidando um padrão esperado de retorno econômico e geração de renda a partir de atividades florestais sustentáveis. Entretanto, de acordo com dados levantados pela Conexsus para o ano de 2020, cooperativas de produção sustentável da Amazônia brasileira geraram, em média, pouco mais de meio salário mínimo de renda anual ao seu associado. Por trás do dado reside uma realidade institucional frágil, prejudicando a competitividade de cooperativas frente a outras opções locais de subsistência com piores termos de troca e, possivelmente, antagônica à conservação das florestas.

Não há possibilidade de fundamentar um setor econômico pautado em atividades florestais sem capital para custear atividades individuais e coletivas de coleta e processamento de sementes e frutos nativos, bem como sem organizações comunitárias sólidas, com capacidade e autonomia para promover a integração de comunidades em cadeias de valor. O desenvolvimento de mercados que valorizam os produtos florestais, seja como insumo produtivo ou para consumo final, também é ação fundamental, de tal modo que as possibilidades de ganhos com os produtores florestais possam gradativamente ser incrementadas e percebidas como mais diversas pelas comunidades locais.

Em geral, é possível observar que um conjunto de variáveis estruturais acabam por serem decisivas para o subdimensionamento do valor das florestas. Longe de escolhas irracionais, a sua existência conforma situações locais onde simplesmente as atividades econômicas e a convivência associada à floresta são extremamente incertas, com poucas perspectivas futuras de retornos claros. É necessário produzir transformações institucionais profundas, tanto na esfera nacional como a nível operacional, a fim de que a escolha por um “futuro verde” seja minimamente possível em larga escala.

Artigo publicado originalmente (em inglês) no site Project Syndicate.

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