Dar oportunidade para que os brasileiros conheçam e consumam os produtos da Amazônia é um dos objetivos da Manioca – Sabores da Amazônia, negócio da sociobiodiversidade em Belém (PA) que produz artesanalmente alimentos naturais, sem conservantes e corantes, em um ciclo de comércio justo que busca desenvolver cadeias produtivas da Amazônia. Em 2018, a empresa comercializou 33 toneladas de alimentos e vendeu 20 mil potes de geleia, utilizando sabores que são a cara da região, como tucupi, açaí, priprioca, jambu e tapioca, entre outros.
A Manioca foi um dos primeiros negócios a receber investimento do Laboratório de Investimento – Negócios de Impacto Socioambiental da Conexsus – Instituto Conexões Sustentáveis. Se trata de um co-investimento realizado em conjunto com a SITAWI Finanças do Bem e Idesam – Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável. A escolha foi anunciada no final de 2018, durante o I Fórum sobre Investimento e Negócios Sustentáveis da Amazônia (FIINSA), coordenado pelo Idesam em parceria com USAID e CIAT e organizado pela PPA – Parceiros pela Amazônia, que tem como missão liderar a construção de soluções inovadoras para o desenvolvimento sustentável na Amazônia junto a empresas e o setor privado.
Os empreendimentos selecionados foram convocados, analisados e selecionados em conjunto para receber co-investimentos, por meio da PPA. A coordenação executiva da plataforma é composta por USAID, CIAT e Idesam. Junto à PPA, são co-organizadores o Impact Hub Manaus e a NESsT, além dos demais parceiros e patrocinadores.
O foco do investimento, em um primeiro momento, será trabalhar no desenvolvimento dos fornecedores e da logística da organização. Hoje, trabalham na Manioca 16 pessoas. São 14 famílias de produtores de matéria-prima para os produtos, que atingem 21 estados e aproximadamente 250 pontos de venda ou restaurantes. A grande maioria dos produtores é extrativista da agricultura familiar, com exceção dos que produzem mandioca. De insumos nativos como cupuaçu, cacau e açaí, 100% foram plantados.
O principal impacto – que e é justamente um dos pontos focais de investimento – é o trabalho com as famílias fornecedoras de insumos, para que elas cresçam em conjunto com a empresa. Mais que isso, a empresa respeita os anseios de cada família, de cada extrativista, sem impor uma regra geral para todos. Com esse intuito, foi criado em 2017 internamente um programa de desenvolvimento de fornecedores, que busca contribuir para que eles se reconheçam como negócios.
Em um primeiro momento, a Manioca analisou alguns aspectos dos fornecedores com base em um questionário, para entendê-los melhor.Entre esses critérios estavam o processo, a estrutura, meio ambiente, ambiente de trabalho, produto, logística, gestão, formalização e aspecto social, segundo o sócio e diretor comercial da Manioca, Paulo Reis. “Estamos sempre avaliando como podemos contribuir para que eles se desenvolvam e se a qualidade de vida realmente melhora, além da renda e as perspectivas. Verificamos se as crianças daquela família estão indo para a escola e se o produtor pensa em uma previdência, por exemplo”, conta. A orientação e a formação desses fornecedores completam o programa.
Um dos resultados é o envolvimento de todos os fornecedores de forma homogênea. A organização percebeu que, naturalmente, acabava dando mais atenção a um ou outro produtor, por alguns serem mais comunicativos. Envolver com profundidade aqueles que não costumam procurar orientação foi um meio de entender de forma mais completa os anseios de todos.
Para a Conexsus, é essencial investir nesses primeiros elos da sociobiodiversidade, em pequenas empresas que conhecem e valorizam os saberes locais, mas que também têm uma face voltada para a inovação. “Para desenvolver melhor o fornecimento vindo dos negócios comunitários sustentáveis é preciso capital. Por isso o Laboratório de Investimento em Negócios de Impacto busca prover recursos para que essas empresas consigam envolver e desenvolver os empreendimentos comunitários que são seus fornecedores”, explica o diretor-executivo da Conexsus, Valmir Ortega.
Outra parte desse investimento inicial será destinada à criação de um fundo de capital de giro que permita a implantação de um centro de distribuição da Manioca em São Paulo. Atualmente, as vendas para localidades mais distantes da Amazônia – especialmente para o Sudeste do país – acabam dependendo de atravessadores em São Paulo, o que gera sobrepreço e demora na entrega dos produtos.
A Manioca tem também uma plataforma de e-commerce, porém ela não é acessível para o consumidor final, pois permite apenas a compra de grandes quantidades de produtos, devido ao alto valor do frete. “Queremos poder atender todos cliente de forma mais ágil, tanto pedidos do consumidor final, quanto demandas maiores, como de restaurantes, por exemplo”, comenta Paulo.
Para os próximos passos, a empresa quer investir também no aperfeiçoamento e na apresentação dos produtos.
História
Tudo começou há cerca de 47 anos, com uma avó chamada Anna Maria, que tinha um restaurante chamado Lá em Casa, no Pará, focado na culinária local. Com o tempo, o restaurante recebeu destaque por apresentar os sabores do Pará e da Amazônia aos turistas. A história ganhou as páginas do New York Times nos anos 80, abordando essa gastronomia “exótica”. O filho de Anna Maria, Paulo Martins, tornou-se chef do local e buscou expandir os horizontes do restaurante com a participação eventos, para mostrar o que eles sabiam fazer.
Paulo se transformou em uma espécie de embaixador de uma cozinha até então desconhecida por muitos chefs renomados de outras regiões. Ele também criou o festival “Ver o Peso da Cozinha Paraense”, que é realizado até hoje com o objetivo de divulgar essa cozinha. A partir do momento que novos chefs de outras localidades passaram a conhecer os ingredientes, seus usos, e a gostar e querer aplicar em seus restaurantes, a demanda pelos insumos paraenses aumentou. Porém, havia poucos fornecedores – como ainda acontece – dispostos a atender essa demanda nacional.
O chef paraense, antes arquiteto, se viu em uma espécie de ciclo de fornecimento e indicação informal, em que os novos amantes da gastronomia amazônica podiam encomendar os ingredientes, situação que foi levada dentro do restaurante até os anos 2000 quase como um favor para quem pedia. Foi aí que a filha de Paulo, Joanna Martins, que trabalhava na área administrativa do restaurante, percebeu a atenção renovada da mídia aos ingredientes da Amazônia. Assim nasce a Manioca, uma marca própria que fornece produtos tradicionais da Amazônia, como as farinhas típicas, o tucupi e o jambu. São alimentos que a própria Manioca não produz, mas que tem seu fornecimento de qualidade garantido – uma espécie de curadoria de fornecedores e produtos.
“Criamos duas linhas de atuação, a comercialização dos produtos mais brutos, como os chefs normalmente querem, e outra linha voltada ao consumidor final, com itens desenvolvidos por nós, como as geleias e temperos”, explica Joanna.
Valorização local
A divulgação desses sabores para o Brasil está no cerne da Manioca desde o começo, porém há também a preocupação de que os moradores da região amazônica reconheçam esses produtos. Há pessoas do próprio Pará que não conhecem ingredientes tradicionais ou seus diversos usos. Pensando nisso, a Manioca já participou, em conjunto com outras empresas locais, de ações como a criação de gôndolas específicas com produtos da sociobiodiversidade em mercados da região..
“Com o tempo, percebemos que a divulgação do aumento do consumo dos produtos amazônicos tem atuado positivamente na autoestima local. Os moradores também passaram a dar mais valor a pontos que antes não davam”, acrescenta Joanna. Para ela, o momento é de perceber que existe um mercado nacional e internacional para produtos tradicionalmente amazônicos e que não é necessário ocupar a Amazônia com culturas exóticas como a soja ou o milho, pois o que há lá pode se desenvolver economicamente por sua própria diversidade.
“Não são produtos que se vendem sozinhos, a cultura da soja ainda é muito forte, mas é importante mostrar que é possível gerar desenvolvimento, emprego e renda com a valorização dos produtos da sociobiodiversidade”, opina. A produção feita por agricultores locais traz desenvolvimento e um impacto social e ambiental importantes. “Nós acreditamos muito nesse modelo de desenvolvimento para região”, conclui.