Case Sentinelas da Floresta: organizações mais fortes e aprendizado de gestão financeira

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Entre empreendimentos comunitários, há casos em que as organizações já funcionam de maneira ativa há algum tempo, mas ainda se percebe a necessidade de ajustes e criação de conexões mais integradas para que os processos em que elas estão envolvidas se desenvolvam ainda melhor e tenham mais resultados.

A Conexsus busca apoiar processos e parcerias que promovam esse aperfeiçoamento. É o caso do arranjo produtivo que envolve a Rede Sentinelas da Floresta, a Cooperativa dos Agricultores do Vale do Amanhecer (Coopavam), as Associações de Desenvolvimento Rural de Juruena (Aderjur), de Mulheres Cantinho da Amazônia (Amca), de Mulheres Andorinhas do Canamã (Amac), Marias da Terra (Amater), Kawaiweté (Caiaby), Acaim (Apiaká), Passapkareej (Cinta larga) e o Instituto Munduruku que fazem a extração de castanha-do-brasil e do babaçu na região Noroeste do Mato Grosso.

No caso da castanha, a Amca e os cooperados da Coopavam (responsáveis por cerca de 10% da coleta), quatro povos indígenas – Apiaká, Cinta Larga, Munduruku e Caiaby – extraem a castanha, trabalho realizado há anos e que exige experiência e conhecimento sobre a floresta, característicos desses povos. Nesse caso, as duas organizações dependem dos indígenas para ter 90% de sua matéria-prima.

As etnias indígenas já vendiam a castanha para a Coopavam e Amca, com contratos fixos, mas os povos eram muito assediados pelos chamados atravessadores, que são comerciantes em busca da matéria in natura por um preço mais baixo do que a castanha comercializada pela Rede Sentinelas da Floresta paga pelo produto in natura. Até aquele período, as etnias indígenas ficavam à mercê do preço oscilante que os atravessadores se dispunham a pagar pela produção. Conforme a necessidade e o resultado das safras, o preço aumentava ou diminuía, sendo muitas vezes mais baixo do que o considerado adequado para a produção. Na época de final de ano, por exemplo, o valor aumentava e, logo após esse período, diminuía drasticamente.

A Coopavam e a Amca compram essa produção de castanha para beneficiamento – higienização, secagem e embalagem do produto – e, depois, comercializam para o mercado institucional e para a grande indústria de cosméticos e alimentícios. A cooperativa também realiza a extração de óleo da castanha e comercializa a farinha restante do processo. Mais recentemente passou a produzir, ainda em pequena quantidade, barrinhas de cereal a partir da farinha. A Amca produz e comercializa macarrão, biscoitos, paçoca e amêndoa de castanha para o mercado institucional e indústrias de alimentos.

No entanto, aconteciam situações em que a cooperativa e a Amca precisavam comprar castanha para fornecer às empresas com quem firmaram contratos, mas não tinham recurso em caixa para tanto. Isso acontecia porque às vezes, após a venda, os cooperados dividiam parte do lucro no balanço final anual ou guardavam uma parte dos recursos somente para manutenções de infraestrutura, sem criar uma reserva de capital suficiente para casos de urgência, em que a demanda contratual exigisse maior produção. Nesses casos, mais de 500 famílias cooperadas tinham sua renda colocada em risco.

Reunião do Conselho Gestor do Projeto Sentinelas da Floresta. Foto: COOPAVAM

Aprendizado financeiro
A Rede Sentinelas da Floresta, importante parceiro das comunidades no auxílio ao desenvolvimento, percebeu a necessidade de melhoria na aprendizagem financeira pela cooperativa e pelas comunidades e associações envolvidas, para que não fossem pegos desprevenidos em situações como essas e acabassem perdendo negócios ou ficando vulneráveis a atravessadores, especialmente no caso dos extrativistas.
Em busca de soluções, a organização conseguiu uma doação da Climate and Land Use Alliance (CLUA), fundo internacional de impacto socioambiental, através do qual contratou a a Conexsus para criar um fundo rotativo de capital e desenvolver um trabalho de orientação financeira com os envolvidos.

“O principal resultado percebido nesse arranjo é o aprendizado financeiro das organizações. Elas aprenderam a gerir seus recursos de modo a beneficiar todos os envolvidos”, argumenta o diretor executivo da Conexsus, Valmir Ortega. O fundo possibilita que atualmente a Rede Sentinelas da Floresta tenha um capital de giro para recorrer caso necessite, sem tornar-se refém de atravessadores, de empréstimos com juros altos ou das oscilações naturais de safra.

Com juros baixos, hoje o arranjo já consegue completar o ciclo de investimento em cerca de 40 dias. “Poder contar com uma comercialização com volume mais alto que permite girar mais rápido o capital para poder comprar novamente. Isso aumenta a capacidade de compra de castanha na floresta e mantém fidelidade entre os parceiros da Rede para garantir preços mais justos aos extrativistas”, explica o coordenador de projetos da Rede Sentinelas da Floresta, Paulo César Nunes. O fundo é administrado pela Aderjur, que realiza o empréstimo do dinheiro para a compra da safra quando solicitado pela Coopavam e Amca, após o beneficiamento e o cumprimento dos contratos com as indústrias, recebe o recurso de volta.

Trabalho com castanha realizado pela AMCA. Foto: COOPAVAM

“Com a garantia de que o fundo vai poder comprar essa produção, eles têm o incentivo a não desmatar e a plantar castanheira em sistemas agroflorestais nas áreas em recuperação nas propriedades rurais. É um estímulo para que, de uma forma ou de outra, os cooperados não deixem escapar essa produção para atravessadores e, assim, consigam atender o mercado”, avalia a vice-presidente da Aderjur, Márcia Kraemer dos Santos Souza.

Fortalecimento institucional
Paulo César Nunes também destaca o fortalecimento institucional das organizações envolvidas, gerado pela capacitação com a Conexsus. “O trabalho consolidou a nossa gestão a partir do diagnóstico de desafios e a superação deles, feito em parceria com a equipe da Conexsus. Isso oportunizou o desenvolvimento das instituições”, explica.

O trabalho da Conexsus, desde o início, foi elaborar um diagnóstico para conhecer e vivenciar o processo para perceber as lacunas existentes, bem como os pontos fortes e fracos do arranjo. “Orientamos a dar mais segurança para os povos indígenas, pois antes a cooperativa comprava a castanha sem capital de giro suficiente e com um formato de contrato com pouca segurança jurídica , o que deixava as comunidades vulneráveis a atravessadores”, esclarece Paulo Guilherme Cabral, consultor técnico da Conexsus.

A diretora de operações da Conexsus, Carina Pimenta, frisa a importância das conexões e do trabalho em rede. “As negociações entre a cooperativa e os povos indígenas acontecia de maneira mais informal. Organizar contratos, firmar a parceria e estruturar uma relação fixa de negócios é essencial para o crescimento e expansão desse arranjo produtivo, o que garante mais segurança a todos os envolvidos”, argumenta. Dessa maneira, tanto os povos extrativistas indígenas têm a certeza de que vão vender sua produção a um comprador que oferece preço justo, quanto a cooperativa e as famílias cooperadas têm a garantia de possuir dinheiro em caixa para poder comprar matéria in natura para beneficiamento. Assim, todos permanecem com sua renda garantida.

Valorização da região
O Noroeste do Mato Grosso é uma região estratégica para a conservação da biodiversidade, por ser a maior área de floresta contínua dentro do arco do desmatamento e especialmente porque parte dela está em uma área de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica. Também por isso o local sofre pressão constante do agronegócio e da pecuária extensiva, a fim de expandir a produção agrícola tradicional. As atividades sustentáveis, como a extração de castanha e do babaçu – também realizada pelos Sentinelas – têm um apelo para manter os ativos florestais na região, contribuindo com a conservação.

Além disso, a oferta de alimentos derivados de produtos da sociobiodiversidade com geração de renda, inclusão de mulheres e de povos indígenas auxilia no âmbito social, equidade de gênero e no resgate à cultura das comunidades tradicionais. “Em um contexto de mudança climática como o que vivemos hoje, manter a floresta de pé, gerando renda e possibilitando a dignidade dos povos indígenas e comunidades extrativistas por meio do trabalho, sem tirá-los de sua região de origem, são pontos que geram valor, chamam a atenção positivamente e ajudam a diminuir os riscos de substituição da floresta”, conclui Paulo César Nunes, da Rede Sentinelas da Floresta.