Conexsus desenvolve alternativas financeiras para tornar produção de castanha mais lucrativa e justa

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Projeto mapeia demandas de capital de giro para avançar em protótipos financeiros com foco no desenvolvimento da cadeia produtiva e dos produtores

Produção de castanha da Coopavam, que atua na região Noroeste de Mato Grosso. Junto com o projeto Sentinelas da Floresta, a Conexsus apoiou a implantação de um fundo para capital de giro para produção da castanha. Foto: Paulo Cabral

Com a produção realizada predominantemente por grupos extrativistas e povos indígenas, a cadeia de valor da castanha-do-brasil ou castanha-da-amazônia é destaque entre os produtos da sociobiodoversidade no Brasil. Localizadas na Amazônia, as áreas de produção são de difícil acesso e a logística é complexa, realidade que dificulta a construção de instrumentos de apoio e a estruturação de negócios comunitários dentro da cadeia.

Nesse contexto, o projeto Fundo de Capital de Giro para a Castanha do Brasil, desenvolvido pela Conexsus em conjunto com a Climate and Land Use Alliance – CLUA, irá estimar a demanda de capital de giro da cadeia e elaborar um modelo financeiro para veículos de crédito e investimento para alavancar capital. “Um grupo de instituições já atua na organização social e produtiva no território e tem sistematizado importantes experiências nesse sentido. Em conjunto com elas, queremos também avançar em soluções para os principais gargalos, como o acesso a financiamento para a cadeia, as relações com compradores e a organização da produção de forma mais integrada”, detalha a diretora de operações da Conexsus, Carina Pimenta.

Em dezembro de 2018, a Conexsus reuniu representantes das redes de apoio às organizações de base comunitária produtoras da castanha-do-Brasil para analisar dados e co-construir um processo de avaliação, tanto da necessidade de capital de giro das organizações comunitárias, como de modelos de capital de giro para o maior número de produtores na Amazônia. Também foi abordado o planejamento de ações que possam contribuir para ampliar o acesso aos programas de financiamento rural pelos extrativistas e suas organizações econômicas, entre outras possibilidades.

Para consultor sênior em agronegócio e crédito rural, integrante da Conexsus e do projeto, Mauri Andrade, é muito importante levantar informações sobre como esses arranjos têm atuado ao longo dos anos junto às organizações produtoras da castanha do Brasil. “Isso permite estimar a demanda de capital de giro, que será um dos principais insumos para a concepção do instrumento que pretendemos implementar para disponibilizar recursos para todos os elos da cadeia. Também é fundamental para definir como operacionalizar esses instrumentos”, diz.

Está em fase de conclusão um levantamento de informações sobre volume e custo de produção e preço de mercado de mais de 100 organizações produtivas de castanha. O resultado deve ser divulgado ainda em março e será um indicador do volume de recursos financeiros necessários para capital de giro na cadeia.

Tatiana Botelho, representante da Climate and Land Use Alliance (Clua) coleta informações com representante de cooperativa de castanha do estado do Amazonas durante oficina do Desafio Conexsus. Foto: Samara Souza

Mecanismos em desenvolvimento

Uma das principais preocupações do projeto, segundo o consultor sênior em crédito e desenvolvimento rural, integrante da Conexsus e do projeto, João Luiz Guadagnin, é que organizações comunitárias produtivas consigam acessar recursos financeiros a juros mais justos. “Queremos criar mecanismos que permitam aos produtores intermediários pagar os extrativistas à vista pela produção, com preço igual ou um pouco acima do mercado. O objetivo é fortalecê-los, permitindo que comprem mais dos extrativistas, que, por sua vez, recebem um valor mais justo pela produção e, com isso, influenciar também a formação de preço mais justo no mercado”, explica.

Para tanto, é necessário encontrar mecanismos que viabilizem o acesso ao crédito rural pelos extrativistas e essas organizações intermediárias, que em geral não acessam recursos dessa natureza hoje. “Os bancos não conhecem a cadeia da castanha, o número de pessoas envolvidas, custos, valores e dinâmica dela. Mas é uma produção que oferece muita segurança para investimento hoje, por já ter contratos de comercialização firmados, alguns há muitos anos, inclusive com empresas do exterior, além de ser um mercado crescente”, analisa o consultor.

Ouriço (fruto) que contém castanhas. Foto: Gabriel Uchida

Criar mecanismos de garantia complementar de acesso ao crédito e estudar formas de agregar mais valor à produção da castanha, como verticalizar a produção, por exemplo, ou ampliar os processos de agroindustrialização, e buscar recursos para tanto são focos nesse contexto. Financiamentos e mecanismos de garantia também devem contribuir para reduzir problemas de logística, como reduzir dificuldades de escoar a produção, ampliar possibilidades de investir em meios de transporte maiores e mais eficientes e ativar o desenvolvimento de ramais de produção.

Esses instrumentos deverão ter uma configuração híbrida, ou seja, devem prever as necessidades de recursos reembolsáveis e as necessidades de recursos não reembolsáveis para sua operacionalização, acrescenta Mauri. “A operacionalização dos instrumentos será feita mediante a captação de recursos provenientes de diversas fontes e com previsão de disponibilização e proteção, através do crédito rural, principalmente do Pronaf, fundos rotativos, outros recursos retornáveis e não retornáveis, fundo de aval, etc”.

Dentre as possibilidades, avalia-se a criação de uma “sociedade de garantia de crédito”, uma cooperativa com a finalidade de oferecer recursos para a obtenção de capital de giro direto para aqueles que não acessam crédito rural. Em estudo também está a possibilidade da criação de um fundo de aval. A expectativa é que os mecanismos de garantia contribuam para que as organizações econômicas se associem e as organizações não governamentais e empresas sejam apoiadores de todo o processo, com foco no desenvolvimento sustentável.

Anotação de participante de oficina realizada pelo Desafio Conexsus para identificar gargalos e soluções para negócios comunitários, entre eles os que fazem parte da cadeia da castanha. Foto: Samara Souza

As soluções devem ser desenvolvidas em conjunto com os laboratórios do Ciclo de Desenvolvimento do Desafio Conexsus e instituições financeiras que atuam na região norte. “Estamos dialogando com bancos e outros agentes sobre como operacionalizar esses mecanismos para a próxima safra já. Até outubro deste ano nossa expectativa é que estejam em funcionamento, formalizados e com constituição de capital, para que as organizações produtivas possam avisar antecipadamente os castanheiros que terão recursos e poderão pagar à vista pela produção”, explica Guadagnin.

Além disso, as parcerias com agentes financeiros devem resultar na capacitação de multiplicadores destas propostas, segundo o consultor. “As organizações têm hoje problemas relativamente simples. Por isso, pensamos também em fomentar o desenvolvimento de uma rede de técnicos preparados para acessar essas organizações e negociar com as instituições financeiras. Trabalharemos em um laboratório com um grupo de cooperativas, para que tenham acesso a crédito, tanto de custeio como de garantia, a partir de abril”, revela.

Juruena, MT, Brasil: Antônio Bento de Oliveira abre fruto da castanheira colhido na reserva legal comunitária do assentamento Vale do Amanhecer. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Panorama

Com cerca de 15 mil extrativistas envolvidos (número que ainda é aproximado), produção que abrange toda a região amazônica, a cadeia no Brasil produz 25 mil toneladas de castanha por ano, segundo dados do IBGE. Desse total, 20% tem origem no estado do Acre, onde uma cooperativa central, a Cooperacre, cumpre o papel de organizar a produção, beneficiamento e a comercialização do produto, segundo o levantamento em produção.

A safra atual está em fase final de colheita e a expectativa é que seja de 30% a 40% menor que a do ano anterior, com consequente alta no preço. As causas ainda estão sendo identificadas, segundo Guadagnin, mas têm relação com o clima, de maneira geral.

“O mais importante é que castanha se produz enquanto a floresta está em pé. Portanto, apoiar os castanheiros é apoiar a preservação do meio ambiente e da biodiversidade. É preciso que eles tenham mais qualidade de vida e se beneficiem dos produtos da região – o que, de certa forma já acontece. Mas ainda há muitos desafios pela frente”, conclui Guadagnin.