Ativar a sociobioeconomia nos diferentes biomas brasileiros exige uma densa e diversa rede de parcerias e soluções conectadas aos negócios comunitários de impacto socioambiental. Ampliar o papel da inovação neste objetivo é extremamente importante, no entanto, alguns desafios se apresentam nesse sentido. Se, por um lado, os negócios comunitários necessitam de soluções para fortalecer as suas atividades produtivas, gerenciais e comerciais, por outro, ainda são poucas as experiências de conexão entre os agentes dos ecossistemas de inovação e de negócios comunitários com foco na implementação de soluções inovadoras que atendam as necessidades reais desse público que se configura como a base das cadeias produtivas.
Foi com essa proposta que o workshop “Inovação e Negócios Comunitários: Como Aproximar e Conectar os Ecossistemas?” ocorreu em Manaus, nos dias 3 e 4 de junho. O evento reuniu cerca de 50 pessoas. Participaram lideranças de cooperativas e associações, instituições de apoio, agentes governamentais e outras entidades orientadas a alavancar o desenho e implementação de soluções inovadoras no campo da sociobioeconomia. O principal resultado do workshop foi, a partir das contribuições deste público diverso, criar coletivamente diretrizes que venham a guiar ações, programas e iniciativas futuras, que busquem promover uma maior conexão entre os ecossistemas de inovação e de negócios comunitários.
“A Conexsus é uma instituição que nasceu com o propósito de ativar o ecossistema de negócios de impacto socioambiental, sobretudo, os negócios de base comunitária formados por cooperativas e associações. No nosso entendimento, ativar esse conjunto de negócios que tem um potencial de impacto econômico bastante importante nas comunidades e territórios em que eles estão inseridos depende de uma série de conexões com outros tipos de atores e setores organizacionais, sendo um deles justamente aqueles inseridos na temática da inovação”, destaca o líder do Núcleo de Negócios Comunitários e Ecossistemas Regionais da Conexsus, Pedro Frizo.
“A palavra inovação muitas vezes vem acompanhada de uma carga de complexidade. No entanto, inovação, ao contrário do que se associa, não é sempre algo disruptivo ou altamente tecnológico. A inovação pode estar baseada em um novo modelo de negócios ou um processo mais eficiente, por exemplo. No caso da CERTI e da Conexsus, sempre discutimos sobre o que é a inovação relevante para transformar a bioeconomia na Amazônia, mas percebemos também que é preciso ampliar essa discussão com quem está envolvido, com quem faz a bioeconomia no Brasil. Assim nasce o workshop, com essa pergunta orientadora: como aproximar e conectar esses mundos tão diferentes de startups ou ecossistemas de inovação e ecossistemas de negócios comunitários?”, explica o coordenador de projetos do Centro de Economia Verde da Fundação CERTI, André Noronha.
A iniciativa incluiu uma série de dinâmicas focadas na identificação de desafios e oportunidades. Além disso, foram discutidas as barreiras que dificultam a aproximação entre os dois ecossistemas. Desse diálogo, surgiram ideias e diretrizes para promover uma integração mais eficaz. “O evento não foi para chegarmos em respostas definitivas, mas sim para discutir, acolher, escutar e criar o que a gente entende como sendo diretrizes que ajudam a orientar e inspirar as mudanças necessárias para que a sociobioeconomia prospere no Brasil”, completa Noronha.
“O Fundo Vale tem olhado muito para o tema da bioeconomia em como ampliar a escala dos negócios da sociobiodiversidade na Amazônia de forma que ele se torne de fato uma economia relevante para o bioma. E nesse processo identificamos que conectar inovação, produção acadêmica, o que está sendo feito nas instituições de pesquisa, com as necessidades e reais demandas dos negócios comunitários é fundamental para esse olhar de escala”, afirma a Gerente Amazônia e Parcerias do Fundo Vale, Márcia Soares.
Diversas organizações importantes do ecossistema de inovação, como representantes de universidades, institutos federais, instituições financeiras, centros de pesquisa, startups, incubadoras, aceleradoras, empresas de assistência técnica, entre outros agentes de inovação, marcaram presença no workshop gerando uma riqueza de informações e experiências em curso, multiplicando oportunidades para todos.
“É preciso entender que inovação para esses negócios comunitários não se trata de um chip ou uma tecnologia voltada para informatização, são processos muito mais abrangentes, que precisam de muito mais tempo que essa dinâmica tecnológica. O conhecimento tradicional às vezes inclui na inovação outro olhar. Como que eu vou inovar processos, por exemplo, da secagem de uma semente? Isso é um ótimo exemplo de inovação para eles, como otimizar o tempo de secagem de uma semente para fornecer mais rápido, produzir mais rápido, para que eles consigam uma nova geração de renda, com valor muito mais agregado e continuar cuidando das nossas florestas”, afirma a Coordenadora de Bioeconomia da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará (Semas/PA), Jéssica Brilhante.
Envolver centros universitários, comunidade acadêmica, setores de pesquisa e educação, apresenta-se como um caminho para fortalecer o aspecto de inovação nos negócios comunitários. “Temos que formar profissionais que sejam líderes e que sejam agentes de mudanças da sociedade, então nossos alunos precisam estar prontos para servir e liderar essa sociedade diante das demandas que ela tem. A universidade nasceu para servir a comunidade, mas temos desafios que ainda precisam ser rompidos. Na Amazônia temos problemas complexos que ainda não foram resolvidos e são urgentes. Várias pessoas no mundo estão discutindo sobre a importância da floresta em pé, mas na floresta existem pessoas que moram lá e elas estão ainda sem água potável, energia, saneamento básico. Então, acho que o primeiro passo é conhecer essas necessidades que existem dentro das comunidades porque isso sensibiliza, gera propósito coletivo”, sinaliza a Líder de Inovação e Sustentabilidade do Centro Universitário do Pará (CESUPA), Suze Oliveira.
A líder também destaca o “aprender com quem sabe” como passo importante para avançar em inovações para os ecossistemas na Amazônia: “A comunidade tem um conhecimento tradicional que é extremamente relevante, eles cuidam da natureza como ninguém, a forma como eles lidam com a economia é um aprendizado para todos, então como é que a gente aprende com eles? Por isso, tentamos buscar parceiros que estão com o mesmo propósito de se conectar com a comunidade, aprender e avançar numa rede de organizações que acreditam na mudança e em soluções sustentáveis, replicáveis e duradouras”, conclui.
Os negócios comunitários constroem suas trajetórias organizacionais nos territórios em que estão inseridos, gerando impactos positivos para famílias e comunidades, ao mesmo tempo em que contribuem amplamente para a conservação das florestas e dos biomas. A presença dos negócios comunitários nos territórios é o que também torna possível a ativação dos ecossistemas regionais, numa conexão entre atores locais, instituições de apoio e outros agentes de inovação.
Segundo o presidente da COFRUTA, Vanildo Ferreira Quaresma, a inovação contribui para agregar valor ao que a floresta oferece, ao mesmo tempo em que possibilita que as comunidades locais sigam sendo guardiãs da biodiversidade e melhorem a qualidade de vida, a partir da renda gerada pelo trabalho cooperado.
“Um momento como esse nos ajuda a aproximar mais a pesquisa de nossas comunidades, para juntos buscarmos mais conhecimento e perfeição em nossas atividades, como por exemplo, desenvolver melhores equipamentos para nosso trabalho de campo, na indústria e também buscar novos mercados para nossos produtos”, sinaliza o líder comunitário.
“É muito importante entender quais são as dores das comunidades que integram os negócios comunitários, para a partir daí começar a pensar soluções e projetos de maneira cirúrgica. Acho que como uma startup precisamos errar o mínimo possível e a gente só consegue fazer isso estando muito próximo de quem de fato sente as dores, para conseguir encontrar soluções”, destaca o head de ESG e operações na Amazônia pela Agrosmart, Paulo Quirino.
“Eu diria que hoje a gente não tem um ecossistema para atender bionegócios da Amazônia. Está faltando um ambiente propício para que esses negócios prosperem, para que se desenvolvam, então ações como essa, com a participação de diversos atores é importante para dar direção e evitar esforços duplicados. Assim vamos entender como devemos seguir e qual é o papel de cada um dentro dessa jornada de construção de um ecossistema”, conclui Quirino.
“Aqui me deparei com outras organizações, instituições de ensino, com várias linguagens diferentes e isso é muito bacana para ampliar as nossas experiências, a partir do que ouvimos das organizações, seja da Amazônia ou da Caatinga. Quando a gente fala em inovação a primeira coisa que penso é em tecnologia, mas aqui entendemos que não se trata apenas disso. Tudo é muito novo e precisamos pensar em como levar esses elementos de inovação para a comunidade”, destaca a presidente da Associação Comunitária Terra Sertaneja (ACOTERRA), Neuza de Jesus Santos. A Associação é também a organização mantenedora de uma escola agrícola, em Monte Santo (BA).
Toda metodologia do evento foi elaborada de modo a favorecer a cocriação de diretrizes e ideias para alavancar a aproximação dos ecossistemas de inovação e negócios comunitários. O documento será publicado em breve e deve servir como referencial para a criação e implementação de soluções inovadoras no campo da sociobioeconomia, sistematização de aprendizados e compartilhamento de experiências bem sucedidas. Este workshop foi organizado pela Conexsus e Fundação CERTI, com apoio do Fundo Vale e Bid Lab.