2017 foi um ano inesquecível para os Paiter-Suruí e para Elisângela Dell-Armelina Suruí, liderança que chegou à Terra Indígena Sete de Setembro (Rondônia) em 2001 para trabalhar com esse povo indígena como voluntária na escola da aldeia. Em um mesmo dia daquele ano, Elisângela foi premiada pelo projeto de alfabetização que vinha desenvolvendo junto aos indígenas e as lideranças Paiter-Suruí decidiram criar uma cooperativa que melhoraria sua qualidade de vida e permitiria manter viva sua cultura.
Os Paiter-Suruí entraram em contato oficialmente com a sociedade brasileira não indígena apenas em 1969. Esses 52 anos de contato deixaram marcas profundas em seu território, em sua economia e organização social. A terra indígena onde vivem foi homologada em 1983 e se situa em uma região fronteiriça, ao norte do município de Cacoal (RO) até o município de Aripuanã (MT).
Elisângela aprendeu sobre a história dos Paiter-Suruí por meio das lembranças transmitidas de pais e mães para filhos, contadas em todas as aldeias. Com receio de que essa riqueza histórica se perdesse, ela iniciou um projeto para alfabetização das crianças na língua materna Paiter-Suruí. Batizado de Mamug Koe Ixo Tig — “A fala e a escrita da criança” em português — e incluindo material didático elaborado no idioma Paiter-Suruí, o projeto foi adotado na alfabetização de 15 estudantes. A iniciativa de Elisângela está ajudando a garantir a perpetuação do idioma e da própria cultura dos Suruí.
Mas Elisângela percebeu que o idioma vivo não bastava para manter as tradições culturais do Paiter-Suruí. Por isso, passou a construir em conjunto com anciãos e lideranças das aldeias outros caminhos para manter acesa a cultura e a vida comunitária desse povo indígena.
Por meio de soluções construídas coletivamente, os Paiter-Suruí passaram a ressignificar suas práticas tradicionais de roçado, caça e artesanato e puderam vislumbrar nesses negócios formas de fortalecimento da comunidade.
Os Paiter-Suruí plantam café — depois de assumirem as lavouras deixadas pelos colonos invasores de suas terras — e passaram a produzir artesanato a partir de suas práticas tradicionais. Suas atividades produtivas incluem ainda o extrativismo de castanha, babaçu e borracha.
Entre 2007 e 2014, por meio de um projeto inovador, passaram a vender créditos de carbono obtidos com a preservação da floresta em seu território e a defender a conservação dos recursos naturais, fazendo denúncias e declarações públicas sobre a comercialização ilegal da madeira em terras indígenas.
Os desafios ao empreendedorismo indigena são diversos: dificuldade de acesso, falta de transporte para escoar a produção, baixos preços oferecidos pelos compradores locais ou intermediários, falta de acesso ao crédito e falta de dados que comprovem e deem garantia da produção. Em muitos casos, esses obstáculos levam ao fechamento precoce dos negócios tocados por comunidades indígenas.
É nesse contexto que surgiu a COOPAITER — Cooperativa de Produção e Desenvolvimento do Povo Indígena Paiter-Suruí. Assim como eles, vários povos indígenas do Brasil estão se organizando em cooperativas com o objetivo de qualificar a produção, a fim de incrementar as práticas agropecuárias e lutar de maneira incisiva pelos direitos da terra e pela produção sustentável.
A COOPAITER tem como objetivo tornar o empreendimento indígena competitivo no mercado e obter valores justos para suas produções, buscando em paralelo avanços no campo social, tanto na saúde, na educação e na preservação ambiental. Hoje, a iniciativa conta com 200 cooperados espalhados em 25 aldeias, sendo 40% deles mulheres.
Em 2020, o apoio da Conexsus, por meio da assessoria de negócios e do Fundo Emergencial da Covid-19, foi fundamental para garantir a continuidade da cooperativa, que tinha planos de ativar uma agroindústria para o processamento da castanha-do-brasil. Ao deixar de vender a castanha in natura, a cooperativa pode receber um valor mais adequado pelo produto que extrai de suas terras e, assim, garantir formas mais justas de comércio.
A criação da cooperativa significou um ponto de virada a partir do qual foram criadas estratégias de negócios que garantem autonomia aos Paiter-Suruí. Toda essa trajetória de construção coletiva foi determinante para que, vinte anos depois de sua chegada, Elisângela considere aquela terra a sua casa.