Ação integrada entre Conexsus, Arapyaú e Humanize permitiu que cooperativas locais superassem entraves históricos para contratar financiamentos para custeio e investimento.
Entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 2000, o sul da Bahia amargou crise social e econômica sem precedentes. Uma doença causada por um fungo, a vassoura-de-bruxa, derrubou em 70% a produção de cacau – principal produto local -, deixando cerca de 200 mil pessoas sem emprego e forçando uma onda migratória para as principais cidades da região. Com a economia do cacau arruinada, boa parte dos produtores ficou inadimplente com os bancos. Muitos acertaram as verbas indenizatórias com ex-empregados entregando lotes de suas fazendas, por exemplo.
Três décadas depois, aproximadamente 80% das 28 mil propriedades dedicadas à cultura cacaueira na Bahia pertencem a pequenos produtores e agricultores familiares. Sem financiamento, eles contavam com dinheiro do próprio bolso e antecipações de recurso por atravessadores para o custeio da safra, o que implica rebaixamento do preço pago na entrega do cacau colhido. Também não conseguiam melhorar o manejo dos cacaueiros e ampliar sua produtividade.
“O produtor tinha medo de tomar empréstimo no banco e ficar inadimplente”, conta Cristiano Sant’Anna, diretor executivo da Associação Cacau Sul Bahia (ACSB), que promove ações para motivar os produtores a buscar o selo de qualidade da Indicação Geográfica (IG) Sul da Bahia.
No fim de junho, contudo, a assinatura de 20 contratos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) com a agência de Ilhéus do Banco do Brasil (BB) marcou uma nova fase no relacionamento dessa instituição financeira com cooperativas que reúnem produtores de cacau da agricultura familiar.
Os contratos somam R$ 1,4 milhão de crédito do Pronaf. Cada agricultor está recebendo R$ 9.600 do Pronaf Custeio e R$ 60 mil do Mais Alimentos, linha do Pronaf para investimento. Mais 40 empréstimos similares estão sendo negociados com o BB pela Cooperativa de Pequenos Produtores de Cacau, Mandioca e Banana do Centro Sul da Região Cacaueira Ltda. e pela Cooperativa de Serviços Sustentáveis da Bahia (Coopessba).
“Foi a Conexsus que nos encorajou a procurar o banco”, conta Sant’Ana. Apresentados à diretoria da Coopercentrosul pelo Instituto Arapyaú, a equipe da Conexsus orientou os dirigentes da cooperativa sobre o processo de encaminhamento dos projetos de crédito do Pronaf no BB. Recomendaram procedimentos para superar entraves com a documentação requerida pelo banco, especialmente o Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos agricultores assentados em projetos de reforma agrária, e os orientou a respeito da apresentação dos projetos à gerência do Banco do Brasil.
“Nós buscamos caminhos efetivos para a viabilidade dos negócios comunitários. O acesso a políticas públicas de crédito como o Pronaf, que são especialmente direcionadas para agricultura familiar, é um desses caminhos”, aponta Carina Pimenta, diretora executiva da Conexsus. Facilitar o acesso ao crédito público é um dos pilares do trabalho de finanças de impacto da Conexsus.
O crédito de custeio será utilizado para pequenas despesas com a safra deste ano, enquanto os recursos do Mais Alimentos ajudarão os produtores a reformar seus cacaueiros e comprar insumos, máquinas e ferramentas. A expectativa é de que a produtividade média do cacau da agricultura familiar da região de Ilhéus e Itabuna aumente de um patamar entre 300 e 400 quilos por hectare, considerado insuficiente para cobrir os custos, para 1.000 a 1.500 quilos nos próximos três anos.
Munidos de recursos financeiros, os agricultores poderão, assim, negociar a safra de cacau com quem oferecer preços mais atrativos, livrando-se dos atravessadores. No início de julho de 2020, por exemplo, a arroba de 15 quilos de amêndoas de cacau era cotada a R$ 138 no mercado de Ilhéus, mas os atravessadores não pagavam mais do que R$ 128 aos produtores.
“É algo que estamos perseguindo há muito tempo. Agricultura sem crédito é uma loucura. A gente vive por conta própria, dependendo de adiantamentos do armazém da esquina”, diz Maria Angélica Anunciação, diretora financeira da Coopercentrosul e presidente da Central de Cooperativas de Agricultores e Agricultoras Familiares e Economia Solidária dos Territórios de Identidade da Região Cacaueira da Bahia (Centrafesol).
As cooperativas de agricultores familiares do sul da Bahia enfrentam momento de dificuldades financeiras. Há dois anos, por exemplo, que a Coopercentrosul não dispõe de recursos para contratar funcionários para seu departamento administrativo. A Coopercentrosul tem 60 famílias associadas, mas também presta serviços e compra cacau de outras 630 famílias cacaueiras.
Dos 20 contratos assinados com o BB, quatro são de agricultores associados à Coopessba. A presidente da cooperativa, Carine Assunção, observa que o Banco do Nordeste (BNB) disponibiliza a linha mais barata do Pronaf, o Pronaf B, cujo valor é de R$ 5.000 no máximo por operação. “É muito pouco para cobrir nossas despesas”.
Ela comemora a obtenção dos empréstimos no BB, enfatizando que os recursos contribuirão para a produção do que chamam de cacau de qualidade, com padrões de fermentação e secagem exigidos para receberem o selo IG Sul da Bahia.
“Conseguimos prêmios de 40% a 80% no cacau de qualidade em relação ao preço do cacau comum”, diz Carine.
Ao lado do açaí e da castanha-do-brasil, o cacau aparece em primeiro lugar no mapeamento da demanda de produtos sustentáveis realizado com mais de cem empresas, em 2019, pela Conexsus. Além de apoiar produtores de cacau na Amazônia, a organização é parceira do Instituto Arapyaú e Instituto Humanize em atividades de apoio aos agricultores familiares que produzem cacau no sul da Bahia.
“No sul da Bahia, os produtores vivenciam um longo período de baixa produtividade que se reflete em baixa renda, havendo uma perpetuação de um estado de pobreza na região”, diz Grazielle Cardoso, analista do Arapyaú no Programa Desenvolvimento Territorial do Sul da Bahia.
Segundo ela, os produtores precisam de crédito e assistência técnica para superar sua atual condição social precária. “Há muitos anos, pequenos e médios produtores de cacau não conseguem acessar o crédito. A expertise da Conexsus nesta parceria visa justamente destravar recursos que estão disponíveis, mas que os agricultores não conseguem ter acesso.”
“Esta iniciativa visa reiniciar uma relação de confiança entre agentes financeiros e produtores de cacau, estimulando a retomada da produção do cacau”, assinala Ricardo Gomes, gerente do mesmo programa do Arapyaú. “Além disso, a cacauicultura no sul da Bahia cumpre um papel importante na conservação produtiva, quando a agricultura se desenvolve associada à conservação ambiental.”
* Todas as fotos foram gentilmente cedidas pela Associação Cacau Sul Bahia