Protagonismo feminino e negócios sustentáveis

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Mais de 80% das organizações mapeadas pelo Desafio Conexsus – 810 das 1037 que se cadastraram – contam com mulheres em cargos de direção. O número ganha rosto quando se observa a experiência de organizações na Bahia focadas no trabalho feminino, por exemplo, quando se acompanha a história das quebradeiras de côco babaçu no Tocantins, ou o trabalho com café produzido especialmente por mulheres em Minas Gerais. O dado fica ainda mais expressivo ao notar que na composição social de 921 organizações há mulheres como associadas ou cooperadas.

Porém, os números demonstrados pelo mapeamento não são suficientes para comprovar a real participação da mulher nos processos decisórios dos negócios. É fundamental, além da presença delas em cargos de decisão, que elas tenham voz ativa e tenham suas opiniões respeitadas. É o que frisa a diretora de operações da Conexsus, Carina Pimenta. “Os negócios estão sendo desafiados a pensar em sua viabilidade, sustentabilidade e isso requer mudança, criatividade, arriscar na forma de pensar diferente. Nós, mulheres, temos essas características de abertura para o novo porque também assumimos novas posições a cada dia, refletimos mais sobre isso. Por isso a participação de mulheres e o engajamento de lideranças femininas são fundamentais para imprimir esse tom de inovação”, comenta.

A participação de mulheres e o engajamento de lideranças femininas são fundamentais para a inovação nos negócios sustentáveis, segundo Carina Pimenta, diretora de operações da Conexsus.

A grande maioria das organizações de impacto socioambiental atua no contexto rural como organizações de agricultura familiar e de povos e comunidades tradicionais. Historicamente, o meio rural é masculinizado. Na pequena produção rural, mesmo que a mulher execute trabalhos que geram renda, na lavoura e na criação de animais, muitas vezes isso é administrado pelo chefe da família, ou seja, um homem que é marido ou pai O mesmo acontece com as decisões tomadas, pois como o gestor da família costuma ser o homem, isso acaba sendo reproduzido no funcionamento de associações e cooperativas. Porém, as transformações estão acontecendo e são constantes.

Nos últimos anos, as próprias organizações têm promovido ações e projetos voltados à visibilidade feminina para que seu trabalho não seja visto como uma ajuda ou um complemento à renda, mas como o que ele realmente é: uma parcela igualmente importante do trabalho dos demais familiares e cooperados para a sustentabilidade de um negócio. “ Na atividade leiteira, por exemplo, é comum que as mulheres sejam as geradoras de renda fixa mensal fundamental para a manutenção da unidade de produção familiar, enquanto a parte liderada pelos homens, em geral as culturas sazonais, como a de milho, geram renda apenas em determinados períodos, exemplifica a agrônoma e integrante da Conexsus, Roseli Bueno de Andrade.

Em outubro de 2018, a Conexsus participou do 1º Encontro Internacional das Mulheres Rurais do Mercosul, realizado pela Reunião Especializada da Agricultura Familiar (Reaf), paralelamente ao 1º Encontro Internacional de Gênero e Geração, da parceira União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes). Os eventos foram sediados em Medianeira (PR). Oportunidades como essa são importantes para aprender com as iniciativas de mulheres e também mostrar o trabalho da Conexsus que envolve o empreendedorismo feminino. Conectando, assim, dinâmicas que já existem nas cooperativas, associações e comunidades rurais

Exemplos pelo Brasil

Um exemplo significativo do sul do país, no Rio Grande do Sul, com a Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (COOMAFITT), que é uma das participantes da Jornada de Aceleração do Desafio Conexsus, realizada ao longo do primeiro semestre de 2019. Fundada em 2006, a cooperativa tem hoje a expressiva porcentagem de 43% de associadas mulheres. Da direção à organização produtiva e comercialização, elas estão presentes em todos os espaços da cooperativa.

A COOMAFITT tem em seu quadro de associados 43% de mulheres. Foto de Ubirajara Machado/COOMAFITT

Para que esse envolvimento aconteça, o empreendimento conta com a ajuda de uma associação local com foco no trabalho feminino, a Associação de Mulheres do Município de Três Forquilhas (Amadecom). Na própria cooperativa também são desenvolvidas com frequência políticas de gênero para incentivar a autonomia produtiva e econômica das mulheres.

Outro exemplo de negócio que participa da Jornada e em que as mulheres se organizaram para conquistar mais espaço e independência é a Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (COOPFAM), de produtores de café e artesanato e que nasceu nos anos 1980.

As mulheres da cooperativa produzem o Café COOPFAM Feminino, que nasceu do grupo Mulheres Organizadas Buscando Independência, o MOBI, criado em 2006, quando elas decidiram que precisavam de algum tipo de organização própria dentro da cooperativa para que também tivessem protagonismo no negócio. Além de abarcar as cooperadas e esposas de cooperados, o grupo abrange mulheres amigas da cooperativa, que produzem artesanatos e flores orgânicas.

O café passou a ser produzido pelas mulheres partir de 2009. Para Edvânia Fernandes, gerente comercial da COOPFAM, ele representa a busca das mulheres pelo reconhecimento, desenvolvimento e independência por meio do trabalho. “Além da produção, o grupo se reúne para trocar experiências, fazer cursos e gerar conhecimento. As mulheres perceberam que não precisam ficar só na cozinha e criaram o grupo por iniciativa própria”, conta. O mais importante, conclui Edvânia, é ver que a experiência do grupo inspira outras mulheres em diferentes localidades, o que pode ser visto durante as palestras que as integrantes do MOBI realizam.

A necessidade da mulher contar com sua própria fonte de renda foi fator preponderante para que a Associação Mãe da Reserva Extrativista de Canavieiras (AMEX), da Bahia, fosse organizada. Trabalhando em rede, elas são mais de 600 mulheres pescadoras e marisqueiras, em sua maioria, e têm como principal desejo colocar seu produto no mercado com valorização.

“Esse trabalho em rede ajuda a nos empoderar e até a nos defender. Boa parte das mulheres não tinha voz ativa e eram muito submissas aos maridos”, conta Luciene Almeida, integrante da associação e participante de uma das oficinas do Desafio Conexsus. Antes da associação, mesmo pescando e vendendo seus produtos, as mulheres passavam o dinheiro para seus companheiros, tolhendo a capacidade delas de gerir a própria renda. “A gente falava que dinheiro de mulher é da família, mas dinheiro do marido é só dele. Queremos e precisamos ser valorizadas”, completa Luciene.

Mulheres precisam não apenas ter participação nos negócios sustentáveis, mas ter voz e decisão garantidas. Foto: EBC – Agência Brasil