Quando Mazinho Brito, liderança local na Comunidade Santana, em Monte Alegre (PA), teve seu primeiro contato com o Instituto Peabiru, há cerca de seis anos, ele não fazia ideia de como funcionava a meliponicultura – criação de abelhas nativas sem ferrão de forma artesanal e sustentável. Apesar disso, já havia nele e na comunidade em que vive a vontade de adotar a prática produtiva como complemento da renda que até então era quase exclusivamente gerada pela pesca – atualmente, a atividade pesqueira é responsável por 85% da renda da comunidade, a meliponicultura já responde por 15% da renda total.
Hoje, ele é o técnico responsável pelo manejo das abelhas e capacita os demais comunitários produtores de mel, processo pelo qual ele também passou. Tudo foi fornecido pelo Peabiru, desde as capacitações até as caixas para criação, equipamentos necessários para a reprodução e produção de mel, por meio do projeto Néctar da Amazônia. “A gente já tinha essa ideia, mas não sabíamos a metodologia, nem como trabalhar. O Peabiru chegou e nós abraçamos a causa”, conta Mazinho. São 15 pessoas envolvidas, em sete comunidades da região, coletando mel em 630 colmeias.
O objetivo principal é a multiplicação. O Peabiru tem uma frente ampla de cadeias na qual atua. A do mel começou a ser desenvolvida a partir de 2006, oito anos após a fundação do Instituto (veja a história completa abaixo), com inserção em diferentes regiões paraenses – como Curuçá, Almeirim, Curralinho, Monte Alegre e Barcarena, além de Macapá e Oiapoque no Estado do Amapá – com a realização não apenas cursos e orientações pontuais, mas um trabalho contínuo de acompanhamento dos produtores de mel nativo. “Como estamos em uma Área de Proteção Ambiental (APA) [APA Paytuna], as atividades produtivas que podemos fazer são restritas por causa do impacto. A meliponicultura é positiva por isso”, completa Mazinho.
O Instituto Peabiru, através da empresa social Peabiru Produtos da Floresta, foi um dos primeiros negócios a receber investimento do Laboratório de Investimento de Impacto Socioambiental, da Conexsus – Instituto Conexões Sustentáveis. A escolha foi anunciada no final de 2018, durante o I Fórum sobre Investimento e Negócios Sustentáveis da Amazônia (FIINSA), coordenado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam) e organizado pela PPA – Parceiros pela Amazônia. Os empreendimentos selecionados foram convocados, analisados e selecionados em conjunto para receber co-investimentos por meio da PPA. A coordenação executiva da plataforma é composta por USAID, CIAT e Idesam. Junto à PPA, foram co-organizadores do FIINSA, o Impact Hub Manaus e a NESsT, além dos demais parceiros e patrocinadores.
No geral, o projeto do mel entra nessas comunidades como um complemento à renda, que costuma ser majoritariamente gerada a partir da agricultura familiar, do extrativismo ou da piscicultura. O impacto criado vai muito além das somas das vendas do mel. “Todo produtor de mel é um protetor da floresta”, pontua o diretor-executivo do Instituto Peabiru, Hermógenes Sá de Oliveira. “As abelhas dependem da floresta para sobreviver, é o pasto delas”, completa. Da mesma maneira, as atividades produtivas, especialmente a agricultura, dependem de forma umbilical da atividade natural das abelhas, que é a polinização.
A criação de abelhas nativas é positiva porque aumenta a produtividade de plantações de alimentos e também a qualidade dos frutos. Além disso, como propósito mais amplo, auxilia na proteção da floresta, por aumentar a atenção dos povos sobre a região. A questão identitária também entra na conta. “Trabalhamos com algumas comunidades que não se identificavam como um povo, com uma identidade de grupo. As relações de produção e de comércio ajudaram nisso”, explica Hermógenes.
Desde o início da iniciativa a importância ambiental das abelhas foi percebida, mas também levada em conta a praticidade de se implantar módulos de produção, pois as abelhas sem ferrão não precisam de terrenos muito grandes para serem criadas, diferente da apicultura, que carece de espaços maiores. Exige pouco trabalho, sendo ideal como renda complementar pois se encaixa no leque de atividades realizadas pelos comunitários. As caixas ficam no entorno da casa e não oferecem riscos às pessoas. Além disso, tem alto potencial de engajamento de jovens e mulheres.
O negócio potencializa a consciência ambiental dos envolvidos por causa da preocupação com a qualidade do ambiente necessária para a vida das abelhas. Há o cuidado com as queimadas, por exemplo, pela sensibilidade que as abelhas têm à fumaça, e com a promoção da diversidade de espécies, pois isso aumenta a resposta das abelhas na produção do mel. “Quando você forma grupos que cuidam de abelhas, faz eles pensarem sobre a qualidade ambiental, sobre o gerenciamento dos recursos naturais que estão naquele entorno do meliponário [conjunto de caixinhas para a criação de abelhas]. É um processo de transformação local, social e também de fortalecimento de identidade”, reflete Hermógenes.
Consolidando a cadeia
O cenário que o Peabiru encontrou quando iniciou o projeto do mel foi o de uma cadeia produtiva não consolidada. Isso quer dizer que ela não estava incorporada ao mercado e que, mesmo que um produtor desejasse começar por conta própria um meliponário, teria dificuldade para encontrar materiais e assistência técnica. E, mesmo que montasse, não seria fácil encontrar mercado aberto para comprar sua produção.
Por isso o trabalho foi muito mais intenso no sentido de orientar as populações e multiplicar as colmeias. “Você coloca duas caixinhas bem manejadas, em cinco meses elas se tornam quatro, depois seis e assim sucessivamente, fortalecendo a cadeia. Hoje temos cerca de cinco mil caixas em todo o projeto. Começa a ficar interessante como negócio a partir de 50 por família”, esclarece Hermógenes.
Atualmente, o mercado do mel é bem consolidado e a demanda por um mel de qualidade é grande. Em 2018, a estimativa é de que tenha sido produzida uma tonelada de mel pelo Projeto, com o objetivo de dobrar a produção este ano. E o alvo é o mercado de mel premium. “Esse pote de mel leva consigo a conservação da Amazônia, a colaboração para a renda dos povos de comunidades tradicionais, leva todo um rastro de sociobiodiversidade que, além de importante, é muito valorizado”, complementa Hermógenes.
Investimento
Depois da consolidação da cadeia e do aprendizado vindo desse processo, o Peabiru enfrenta desafios relacionados ao cenário do empreendedorismo social no Brasil. Mesmo tendo quantidade de produção que permite a comercialização, é preciso amadurecer o processo de beneficiamento e aspectos legais, comerciais e produtivos. A experiência do Peabiru em outras cadeias produtivas também vai auxiliar nessa maturação.
O investimento da Conexsus e demais parceiros é destinado à ampliação e finalização da produção, colocação no mercado e comercialização. Hermógenes explica que o investimento ajuda diretamente no financiamento do capital de giro para a garantia de compra da safra do mel, além de contribuir com estudos de pesquisa de mercado e de beneficiamento. “Ao mesmo tempo, auxilia a estruturar outras cadeias que vão fazer parte do Peabiru”, diz.
A parceria é uma garantia de que continuar fazendo com que o lucro vindo da produção do mel fique com a comunidade. Atualmente, 60% do valor gerado por um pote de mel fica com a comunidade. Um pote de 150 gramas que contém estratégias de rentabilidade para as comunidades locais, respeito à natureza e auxílio na conservação do bioma amazônico.
História
Em 2019, o Instituto Peabiru completa 21 anos de atuação nacional, com atenção para a Amazônia Oriental – Pará (Marajó, ao Salgado Paraense e Belém Ribeirinha), Amapá e Maranhão.
Inicialmente, em 1998, o enfoque era trabalhar em outras organizações sociais menores, ajudando no fortalecimento dessas organizações e sempre trabalhando no meio rural, com povos e comunidades tradicionais. No início dos anos 2000, muda definitivamente para a Amazônia, com sede em Belém (PA). Descobriu-se que a missão do Instituto era facilitar processos de transformação social. “Entendemos que existem diversos processos latentes de transformação social em vários territórios, e também temos como pressuposto que a organização social é uma condicionante para o desenvolvimento”, relata Hermógenes. A partir de 2006 foi iniciado um trabalho mais intenso com as cadeias de valor da sociobiodiversidade, como a cadeia do mel nativo, por entender que os fatores produtivos são formas mais efetivas de promover o fortalecimento dos grupos sociais com os quais o Instituto já trabalhava.
As quatro frentes de atuação atual do Peabiru são: Assistência técnica a Agricultores Familiares, Povos e Comunidades Tradicionais; Proteção Social a Crianças, Jovens e Mulheres; Responsabilidade Social Corporativa e Conservação da Biodiversidade.